sábado, abril 22, 2006

Estávamos todos sentados enquanto o rapaz loiro e alto me explicava como reagir diante das criaturas. Eu, ele e a pequena Sarah éramos os únicos que poderiam lutar contra um exercito faminto de coletores de alma...Assustada, eu observava as explicações com atenção e ouvia sua voz ainda juvenil, mas que impostava respeito por ter sido ele que recebeu o ensinamento, o único elo que explicava força da pequena Sarah, com apenas sete anos, lindos cabelos negros e completamente muda.
-Você não deve deixar que eles sintam seu coração, nem deve demonstrar medo, tampouco deve correr ou fugir, porque isso os torna imensamente poderosos... Eles virão para retirar-lhe a alma e dilacerar seu corpo, pois não sobrevivem neste mundo sem uma carne que os sustentem, são como vampiros, porém muito mais poderosos, pois mudam de corpo, apenas não podem agüentar muito tempo em um só corpo.Precisam trocar a cada três dias e, por isso os ataques têm aumentado...
-Eu sinto medo... Meu coração bate descompassado...
-Não deve. Se conseguir concentrar sua força jamais será atacada!Volte-se para dentro e entrará numa espécie de campo ou sintonia que nos manterá em contato durante o ataque, a pequena Sarah vai demonstrar...
A menina sentou-se comigo no chão, ela era uma criança séria, diferente, introspectiva e muitas vezes, passava mensagens com o olhar por justamente não expressar-se em palavras. Ela fechou meus olhos, pegou minha mão e senti um deslocamento de tempo-espaço, quase que um desmaio, um espécie de sono breve.
-Eu também passei por isso. Vai ser estranho, mas deve se entregar, pois não deve vê-los com os olhos abertos, apenas os enxergará com eles fechados e se eles a virem, a levarão... Concentre-se, reflita em algo que lhe traga paz e saberá da força que necessitamos para vencer.Cada vez que conseguir achar seu equilíbrio, mais forte você se tornará.
Concentrei-me, mas não conseguia enxergar nada além do escuro. A menina tocou novamente minha mão, e dessa vez era como se minha alma, minha consciência estivessem sendo jogadas num buraco, sugadas, arrastadas para fora do meu corpo, uma sensação de afogar-se, de dormir contra a vontade do corpo, apagar por completo. Uma agonia tremenda invadia meu coração, sentia minha morte já que não sabia voltar, o corpo escorregava, mas não era meu corpo, pois estava imóvel... Ofegante, irritadiça, assustada, eu me debatia entre a vontade curiosa e o medo e, quando este venceu e eu me entreguei por achar que estava a morrer, mesmo inconformada, pois não havia outra coisa a fazer se não resignar-me.A paz invadiu os meus sentidos e pude sentir o desdobramento do corpo e da alma...
Abri meus olhos para uma claridade descomunal, a luz era tão forte que não conseguia delimitar de onde surgia... Um quadro totalmente surreal de céu cor de lavanda, arbustos verde-oliva e chão alaranjado; a temperatura era agradável, eu flutuava...Assustei-me ao me deparar andando por este cenário o guerreiro loiro e Sarah.Eles sorriam de mãos dadas.
-Cada um de nós possui uma referência visual e esta é a sua, não se assuste com o que vê, pois estamos todos dentro do seu campo de imaginação. Aqui, somos fortes, possuímos poderes inatingíveis por nossos frágeis envoltórios, é uma força mental, mas terá que exercitá-la. Agora que conseguiu, sabe que é possível nos deslocarmos e ficarmos neste campo até que os Coletores desistam ou travem uma batalha de forças...
-Que acontece se eles resistirem?
-Entrarão aqui e teremos de enfrentá-los. Você deverá lutar, até o fim, até que o último caia.
Um barulho no meu ouvido, semelhante à interferência de ondas radiofônicas e voltei daquele quadro. Os dois estavam sentados ainda e de olhos fechados.O Loiro disse:
-Vamos. Eles não vêm, nós iremos.
(...)
Estávamos dentro de um ônibus, quase sucatado, gasto e refeito várias vezes. A baixa temperatura, densa neve,constantes quedas de energia, a falta de combustível, o acidente atômico que destruíra o país a doze anos atrás, eram as desculpas das altas taxas de mortalidade.Os passageiros riam da situação de miséria e doenças que assolavam o lugar,seu burburinho matinal era a única forma de solidariedade, calor que os destrancafiava de um pesadelo doméstico, trabalhadores que contentavam-se com a sobrevivência, catadores de lixo atômico pagos pelas Nações Unidas, enrolados até o pescoço, pareciam mais mendigos, múmias do século XXI, do que cidadãos de um país que já foi próspero e reduziu-se a escombros, população indigente, economia sem sustento, tudo isso no coração do Leste Europeu .
-Eles estão aqui...
O loiro fechava os olhos e eu também. Eu pude enxergar na escuridão espectros de energia com olhos luminosos, irradiavam morte e pesadelo, estavam sentados entre os pobres catadores, de olhos abertos não se era possível enxergá-los. E o dom foi se aproximando de mim, cada vez que eu o usasse seria mais forte.
Em um instante, um deles saltou para fora do corpo, rasgando a carne e quebrando os ossos, rosnava como um cão, o odor do sangue fresco invadia, impregnava o ambiente o ferro sanguinário. Açoitava sua própria morada, tentando libertar-se do corpo que habitava... Os catadores tomados de pânico paralisados pela cena horrenda, pediam ao motorista que parasse o ônibus.Este também assustou-se, freando a condução com toda a força.Sucessivamente, outros Coletores surgiram e, os catadores corriam de seus bancos, atiravam-se das janelas em vão.Os coletores os derrubavam com garras e suas mandíbulas conseguiam destruir seus corpos, seus olhos capturavam as almas e estas eram seu sustento maior...Elas todas eram conduzidas para uma prisão interna dentro do Coletor.Eis que um deles aproximou-se de mim, depois de ter assassinado dez, e senti sua morte e depressão só de estar ao seu redor...Com uma das garras ele atravessou meu corpo e tentou vasculhar meu coração.Eu permanecia inerte, tentando entrar em sintonia com os outros dois guerreiros...Senti que ele sabia ser eu a mais fraca, mais predisposta a conduzi-lo ao meu refúgio...Totalmente centrada, eu conseguia me manter alheia.Porém um outro também fez o mesmo, tentou captar meu coração, só eu conseguia escutá-lo, ele batia fraco, pela freqüência, pelo processo de imersão no coma, no equilíbrio.Entretanto, a pressa em encontrar a luz dos amigos, me fez acelerar meus batimentos e um deles me rastreou...Senti a enorme agonia e dor...Era como se estivesse a me esganar, deixar-me sem respiração, achei uma luz, era a saída.Então quando quase sem forças e prestes a sucumbir, encontrei os dois que me olhavam em espanto.
- Vamos ter de lutar ele te seguiu...
O monstro caiu no mesmo cenário que tinha visto anteriormente e a batalha começou, eles possuíam força mental e corporal e lutavam contra aqueles seres sem ter medo. Era uma criança e um adolescente e eu a mais medrosa contra um exército de Coletores. Logo, eu descobriria que era também portadora daquele dom: de lutar sem ter nunca feito nada de arte marcial, algo inconcebível para mim. Sarah, a mais poderosa era capaz de destruir três Coletores apenas com raios que saíam de suas mãos pequenas e frágeis.O rapaz era como se fosse um guardião que lutava com as mãos e os pés, mas também possuía o poder de concentrar uma força que não sabia de onde vinha nem do quê era feita.

Então, eu acordei do sonho. E não mais sonhei com os Coletores, nem com meus dois amigos.
Um guerreiro tem o coração ferido, mas a alma límpida.Essa foi a frase que me acordou.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sonho?...ai ai..vc me pegou viw...

;p

Muito bom o texto...

bjo grande


jefferson p.