terça-feira, fevereiro 21, 2006

O que há na montanha?

Não recomendo Brokeback Mountain a nenhum amigo meu que bata no peito e brade “que é macho”... Por quê? Homofobia, preconceito, atavismo. Porque com certeza ele vai querer sair no meio do filme ou vai me xingar por não ter avisado que se trata de algo realmente consistente sobre um relacionamento homossexual.Estamos acostumados a ver comédias “sem sal” ou escrachadas por demais ( tão berrantes quantos os fru frus e maquiagens que as Drags usam) ou numa hipótese “por debaixo do tapete” temos acesso à filmes europeus com atores desconhecidos( e como sempre o contexto social é muito mais eminente), deixando para segundo plano uma estória de amor entre dois homens.Porém, O segredo de Brokeback Mountain do diretor Ang Lee( maravilhoso em Razão e Sensibilidade) é uma estória de amor; todos estão rotulando como “ romance gay” e é.Porém, prefiro pensar na estória de amor de duas pessoas em condições adversas, uma delas que nem mesmo sabe lidar com amor, quanto mais com um problema de identidade sexual junto e outro que mais sensível à realidade de seu sentimento, é corajoso ao expor-se à. Pensei ao sair da sessão que escreveria algo “jocoso”, mas no fim da película, comovida, me arrependi e refleti que não gostaria de estar na pele de Jack (Jake Gyllenhall) e Ennis ( Heath Ledger): afinal, os dois moravam na parte mais homófoba do USA, em meados dos anos 60, quando gays como eles tinham suas partes íntimas arrancadas e mortes acobertadas até mesmo pelas autoridades locais, com o falso moralismo imposto pela sociedade americana sulista, conservadora e totalmente protestante.
Certamente, o filme é uma desmistificação do cowboy, assim como o víamos nos Westerns clássicos de Wayne: aquele cara rude que não chorava nem quando a mãe morria, não tinha pena de dizimar os índios, que raramente sofria de amores ou queixava-se de algo cai por terra totalmente. O lado humano, a solidão e a paixão que emerge nos personagens pode parecer inconcebível para os machões de plantão, entretanto Lee conduz com maestria sem colocar o foco na necessidade física-sexual, mas sim pela identificação, pelo cuidado mútuo e, constrói um afeto do qual ambos se solidarizam e se confortam: filhos de famílias destruídas ou afastados do convívio familiar para sobreviverem em empregos temporários, com o árduo trabalho de vaqueiro, os dois jovens só possuem a belíssima paisagem da montanha, onde pastoreiam ovelhas, afastam coiotes, fazem refeições improvisadas( latas de feijão, carne seca, sopa enlatada), montam guarda para que não sejam pegos pela polícia ou até mesmo outros pastores que surrupiam os animais. Jack e Ennis não têm muita novidade em seu cotidiano - a rotina os massacra e passar quase um ano nas montanhas não é tarefa fácil, quando são atingidos por intempéries climáticas e existenciais-pouco se conversa, muito se trabalha, são só acertos de “quem faz o quê”. No começo, parece até entediante vê-los comendo, lavando, montando, selando, matando lobos e coiotes, porém, dá uma idéia do que é viver trancado em si. Ennis Del Mar não conversa (fora criado como o estereótipo de vaqueiro americano rude que parece não ter sentimento) é o homem de raras palavras, rumina uma aqui outra ali. O típico cara que poderia ser até chamado de “bruto”- mas eles também amam...E como!O seu personagem realmente é que dá uma profundidade à trama porque era um homem comum: talvez nunca soubesse o que é amar e ultrapassar seus valores tão enraizados, cometer loucuras, vibrar, ser feliz. Seria mais um produto da sociedade mecanizada” trabalhe, coma, case, tenha filhos, plante árvores, vá à Igreja, morra...O clichê é quebrado em sua vida quando ele, mesmo não se concebendo como gay, acaba se apaixonando por um homem( um grande esclarecimento do filme é deixar claro que gays é amar pessoas do mesmo sexo e não quando se tem relações sexuais), mesmo assim ainda resiste, dolorosamente, ao seu amor.Coberto de cenas fortes, entretanto nenhuma delas tem contexto erótico-sensual, mas “agressivamente sentimental”, assim o descrevo porque as emoções de perda, separação, reencontro são mais reprimidas, pois se tratam de momentos privados, vivenciados apenas dentro de suas almas e, quando podem ser demonstradas são explosivas tanto visualmente quanto contextualmente. Gyllenhall e Ledger dão um show.
A relação dos dois explode com sua primeira noite, numa iniciativa de Jack, personagem mais extrovertido, que realmente quer ser cowboy de rodeio, inconformado com sua situação econômica - um verdadeiro susto tanto para o Ennis, quanto para quem assiste, porque nem ele aceita, nem uma platéia desavisada aceita também. As outras seguem-se mais no companheirismo, cumplicidade e dão a naturalidade para aceitar o quão profundo é o relacionamento dos dois- fora isso, alguns violentos e arrebatados beijos de amantes que só podem se ver duas vezes por ano.
Os dois se casam, constituem famílias, porém não são felizes, seguem com suas vidas, encontram-se por duas preciosas vezes num ano, mas não arriscam viver sua paixão (isso arrasa o ousado Jack e leva Ennis a um isolamento ainda maior, pois o sentimento é tão forte que leva à destruição de sua vida pessoal e daqueles a quem ama). Eis, então, a maior lição de uma verdadeira estória de amor: essas que contam por aí são perfeitas e não somos perfeitos.O amor não é gentil, ele destrói, parte, quebra, desajusta.E eles não assumindo seu relacionamento tornaram– se perfeitos para os padrões da sociedade e inexistentes para seu amor, inexistentes para si mesmos.


Foi sem querer querendo...

1.O que realmente faz a solidão?Ela nos liberta e nos mostra o verdadeiro eu?Vixe, jamais quero ficar ilhada com alguém bizarro...
2. O que eu queria saber é se foi sacanagem de colocar o nome do cara sem o “P” para quando tivesse alguma coisa no Saturday Night Live ou “afins” tirarem sarro do filme.
3. Que diabos tinha Heath Ledger dentro da boca para falar com aquele sotaque tosco?A atuação dele é brilhante, mas ele realmente rumina, exagerou ao tentar algo do sul dos USA. Parecia estar com goma dentro da boca!
4. Gyllenhaall disse que teve que “descobrir” sentimentos que não existiam nele para fazer o personagem e ele não falou que foi nas cenas de beijos e arrulhos com o parceiro... Será que foi quando ele teve que dar uns amassos em Anne Hataway que faz a esposa dele?Brincadeirinha...
5. Oito indicações para o Oscar vou torcer!


Memórias de uma gueixa (em extinção)

Que milagre que Memórias de uma Gueixa não recebeu o título de A Última Gueixa: recebeu seis indicações e acho que se não levar nenhuma não vai ser uma injustiça tão grande. Filmes sobre o Oriente podem ser grandiosas produções ou grandes fiascos- leia-se O Último Samurai que se concentrou no canastrão Tom Cruise e esqueceu do foco do filme que era explorar uma tradição milenar oriental condenada pelos tempos modernos e o seu papel na primeira guerra Mundial.Ah, mas levou um Oscar não foi?Foi. Melhor figurino. Só.Se você assistir o filme vai lembrar de Dança com Lobos( e digamos, nunca mais o Kevin Costner vai ser tão popular..)-por isso, fui ao filme da Gueixa com um olhar mais crítico do que para apenas degustar...Cai do cavalo.O filme te embala direitinho.
Meu filme preferido ainda é o Último Imperador (tudo lá é último, está fadado a cair, será um determinismo ocidental?): bela trilha sonora, filme poderoso de Bertolucci, não deixa nada desejar porque não é um filme que fica “explicando” os costumes e valores estranhos à nossa cultura, eles são demonstrados com impactantes seqüências: imagens transmitem mais que mil palavras, mas muitos diretores subestimam o público.
Fotografia e pesquisa de arte são fabulosas; não entendo muito disso, mas você vê que o pessoal capricha nos detalhes da época, desde um panfleto de meados dos anos 30 até coisas tão cotidianas do Japão como respeito e culto honroso dos entes falecidos.
Vamos ao enredo. Primeiro de tudo a menina é uma anomalia genética numa sociedade de gene dominante como o Japão no qual todos mantêm um padrão de estatura, olhos, cabelos, etc. Por possuir olhos azuis, ela chama atenção por ter “água demais em seus olhos”, entretanto é o público que mais fica com água nos olhos diante do sofrimento da pobre menina que é vendida, separada da única irmã e que não tem muita chance na vida a não ser o destino de ser escrava numa casa de gueixas. Entretanto, o destino lhe sorri, pois fica sob a tutela de uma grande Gueixa, aprende as artes de encantar e entreter um homem – é aquela parte do filme que você vê em quase toda comédia teen que demonstra a passagem de gata borralheira e desajeitada à fina e elegante Gueixa, só para alongar película, encher lingüiça, daí você percebe o jeitinho ocidental - e ela passa a ser uma cobiçada gueixa (não vou contar o filme, porque é melhor que assistam): as mulheres no Japão por serem submissas e reservadas aos seus lares tomavam a gueixa como um mito de liberdade, culto à vaidade, vida social ativa, mas tudo isso com o respeito que os valores orientais determinam: isso não significa a liberdade sexual, posto que elas não pudessem amar e serem livres para tal, pois elas têm uma função social, daí a justificativa da preservação da Gueixa como patrimônio e crucial ponto de distanciamento da atividade de uma meretriz. Muitas pessoas confundem Gueixa com prostituta e o filme coloca perfeitamente essa realidade: são mulheres que servem para entreter, mas com a arte do que com o sexo ( que é raramente algo concebido, pois há todo um protocolo). A gueixa na frase mais acertada é uma obra de arte em movimento, um museu ambulante, não só pelas vestes ou adornos que ostentam, mas pela função que exercem, pela importância histórica de acompanharem as mudanças no destino, de estar no meio político econômico, por presenciarem grandes negócios e acordos de paz entre nações (como ocorreu na segunda guerra).
Não chega a ser um filme espetacular, porém mostra a limitação de uma mulher explorada pelas pessoas que a cercam, pelo apelo social que possui no desempenho de suas funções e que relega sua personalidade, desejos e anseios. Sem família, sem amigas, sem amor, elas são obrigadas a constituir novos laços afetivos, por vezes, tão hipócritas, outras vezes por solidariedade em tempos de guerra, fome e miséria num país que sobreviveu a duas bombas atômicas.
A seqüência que mais aprovei foi quando, etérea, a gueixa Sayuri em sua primeira apresentação ao público parece ser fora deste mundo e sua performática nos faz ver a beleza exótica de uma cultura rica como a do Japão - que sofre o desgaste do intervencionismo do Ocidente (afinal, eu já vi até Gueixa punk!) - é hipnótico, coloca a platéia em êxtase e mostra como podemos pelo menos um dia sermos “deusas”.
O elenco poderia ter uns rostinhos novos, escolhidos entre a nova safra de atores oriental-americanos, pois é aí que o filme falha: elenco. Uns demais choram demais, outros de menos. A atuação da protagonista deixou a desejar (ela foi melhor em o Tigre o Dragão), sua oponente é mais interessante, a Gueixa Hatsumono que é muito mais bela fisicamente do que a miúda Sayuri. É uma estória bela, vale o ingresso, mas esperava um fim diferente.Por isso corte três Oscars!Talvez seja meu preconceito de que todo conto oriental tenha que ser levado ao extremo, tamanha a abnegação daquele honorável povo. Que ganhe umas estatuetas, mas fico com meu Bertolucci.

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