segunda-feira, março 13, 2006

Nicholas quedou-se inerte quando acordou mais cedo naquela manhã de segunda. Olhou da porta do seu quarto seu apartamento decorado em estilo moderno , um loft, algo que combinava com sua personalidade segundo uma amiga de colégio que se tornou arquiteta, ela mesmo fez o projeto.”È um espaço à sua altura, versátil, moderno, prático, típico para um homem solteiro, bem-sucedido e jovem”.
Ele olhou em volta e nunca tinha reparado que quase tudo no apartamento era escolha de outra pessoa e não dele... Achou tão impessoal quanto um quarto de hotel, olhou para a escultura que ficava em um dos cantos da casa e que todos os seus amigos invejavam por ser obra de um artista já falecido e uma das últimas confeccionadas, por vezes recebeu elogios por seu “bom gosto para com a arte” e impressionou alguns affairs de personalidade mais requintada.
- A noite com a ruiva valeu a pena... Só que, amigo, não gosto de você, se é que você me entende.Passo por aqui e sempre me incomodou essa sua cor de burro quando foge...Quer saber mesmo o que eu queria fazer quando você chegou nesta porra de apartamento? Te jogar pela janela... Com todo respeito ao seu autor mais ele tava totalmente desgostoso quando te fez e eu que tenho que pagar para ter você aqui me assombrando...
Lembrou de uma de suas ex-secretárias que agora estudava artes plásticas e pagava faculdade com a bolsa que lhe davam para ficar em escritórios como o dele. “Doutor, sinto muito, mas meu tempo acabou. Agora vou tentar um estágio remunerado em algo na minha área”, vibrava a jovem ao pedir seu afastamento. Quase um ano depois Nicholas ligou para ex-secretária.
- Mari?
-Pois não?É a Mariana...
-Sou eu, Nicholas.
- Doutor?É o senhor?Que milagre é esse?
-Olha, eu sei que fui um porre durante o teu estágio e critiquei sempre o seu jeito de se vestir, disse pra todo mundo que achava você a maior maconheira e péssima secretária, desaforada e libertina. Prá falar a verdade, eu que inventei aquela piada suja sobre a sua reputação e...
-Não acredito!Doutor, o senhor é mesmo um...
- Calma, eu sei que te persegui de todo o jeito. Mas, eu confesso que na verdade fiz isso porque eu me identificava com você...
-Quê?
-É, na verdade eu queria extirpar isso, queria cortar uma projeção do que eu era, ou do que eu deveria ser: doidivanas como você é...
-Doidivanas soa melhor, mas mesmo assim...
-É, eu sei, sou um burguês preconceituoso e falso moralista, quando na verdade eu queria mesmo era ir lá aonde você sempre ia...
-O quê, o senhor queria fazer o “dia verde”?
-Nem tanto, eu queria ir naquele boteco que você paga dez reais e toma cana de raiz, e ainda compra literatura de cordel...
-Ah, sei. Mas, o senhor não me ligou porque quer perdão ou entrou para alguma religião, meu Deus, o senhor está terminal?
-Sai pra lá, Mari... Eu te liguei pra te dizer toda a verdade e também porque eu tenho um grande problema.
-Lembra daquela escultura que você viu na foto e disse na minha cara que eu era um farsante por possuir algo do qual eu não sabia o valor?
-Sim, me lembro, ela foi roubada?Não acredito! Essa peça é a mais importante Rogério Cacá, um gênio, um...
- Olha Mari, eu já sei a missa de toda, por favor, eu sei até quantos amantes ele teve, eu não agüento mais saber nada desse cara... por isso, você pode vir pegar a peça aqui amanhã?
-O quê?
-Vai dar a peça para mim?Eu tenho que te “dar” algo?
-Não, precisa “dar”. É sua, pode vir buscar, quanto mais cedo melhor.
-Não, isso só pode ser trote... O senhor me liga numa segunda para dizer que eu sou pessoa legal, que deveria ser como eu, confessa toda a sacanagem que fez comigo e ainda quer me dar uma peça cara de inestimável valor artístico, não acho que andei fazendo muito a cabeça esses dias...
-Eu tenho que desligar, vou deixar um recado D. Alice que cuida das minhas coisas aqui e ela deixa você entrar e levar a escultura, qualquer coisa ela me liga no celular.
- Não tenho palavras...
-Hipocrisia agora não, né, Mari?Pôxa, isso não é nada a sua cara...
-Tá certo, eu queria mandar o senhor se foder faz muito... Esse seria meu maior prazer, dizer isso pessoalmente ,e já que senhor quer uma opinião minha mesmo, nada do que o senhor fez vale isso que está me dando, mas já um começo.Se a próxima “ quinquilharia” que o senhor ganhar não gostar aceitamos doações.E, outra o senhor se acha muito sexy, mas nunca olhou para direito para o seu sorriso de hiena bêbada...
- Pensei que tinha uma queda por mim, principalmente quando eu sorria... Valeu, Mari.
- Eu? Não mesmo. A única coisa que sempre me atraiu no senhor foi o dinheiro.Obrigada por ajudar a brigada dos pobres estudantes de arte... Foda–se!

A morena que usava óculos esquisitos e roupas nada tradicionais desligara na sua cara.

Nicholas explodiu em gargalhadas. Foi no espelho conferir o sorriso de hiena bêbada. O que ele queria expressar era um cinismo, o famoso sorriso provocante que toda mulher não resiste.
“Bem devo lhe dar algum crédito, afinal é uma artista, vê outras perspectivas... Não é mesmo que pareço estar meio bêbado?Mas não vejo nenhuma hiena...”Sentiu-se um completo idiota por sorrir para todas as belas que passaram por sua vida daquela forma, e começou a testar várias outras expressões.

-Meu dinheiro é mais sexy do que eu...

Subitamente, todos os alarmes dispararam seu palmtop, celular, relógio de cabeceira. Eram programados para ficarem soando por exatos cinco minutos e dessa vez ele deixou que a confusão de sons perdurasse. “Isso é para você não mais ativar neuroticamente quatro alarmes”. O quarto seria justamente o último que seguiria logo após os cinco minutos. Uma coletânea músicas clássicas que sempre o embalavam para um começo de dia triunfante. Enquanto ele escolhia o terno, tomava banho, conferia seus compromissos matinais. Só que naquele dia ele correu apenas para esse último alarme e ligou o rádio. A primeira música era um funk totalmente explícito em sua exposição sexual. Ele riu, gargalhou mais uma vez e até dançou na frente do espelho.Uma palavra ativou sua libido e foi para o box do banheiro.Estava a se masturbar... "What a wonderful world” com Louis Armstrong ecoava pela casa enquanto ele via fachos de luz adentrando o apartamento, respirava pausadamente depois do êxtase e então tomou uma ducha demorada, viajando com a música.

Um comentário:

lobo-branco disse...

Oi Lari! Tudo bem, estou passando aqui pra dizer que os seus textos sao muito bons, voce leva muito jeito!! Qualquer coisa é só ir até o meu blog, que mudou de dominio (www.lobo-branco.blogspot.com) e dar as ordens xD
Bjao >> Du